Capriccio Stravagante

Este é um sítio de celebração da música(e outras artes) de todas as épocas, estilos e culturas. Não pretende como é óbvio ser exaustivo mas sim um estímulo à reflexão e descoberta.Todos estão convidados a participar podendo enviar os textos por email ou simplesmente comentar os existentes!

segunda-feira, agosto 14, 2006

Trio de Lisboa



Tentei recentemente pesquisar e juntar alguma informação relativa a um dos agrupamentos de câmara mais prestigiados e activos dos anos 60 e 70 em Portugal- o Trio de Lisboa. O resultado revelou-se pouco animador tendo em conta que parte dessa pesquisa se centrou na net, veículo aparentemente pouco apropriado tendo em conta a época em causa e o facto de se tratar de um grupo já há muito esquecido. Felizmente e graças à iniciativa conjunta do MC, RDP e da editora Portugalsom, saíram pelo menos 2 discos em 1998 de gravações do Trio de Lisboa.
O primeiro disco (vol.I) com obras de Beethoven e Chostakovitch, foi gravado em 14 de Março de 1963 (Beethoven) e 21 de Agosto de 1964 (Chostakovitch).
O segundo disco incluí o trio op.49 de Mendelssohn e o trio op.87 de Brahms com gravações em 16 de Março de 1972 e 12 de Junho de 1964 respectivamente.
Em qualquer uma das gravações torna-se evidente o alto nível artístico do agrupamento não obstante a qualidade relativa das gravações sob o ponto de vista técnico ( realizadas na acústica seca do estúdio A, na rua do Quelhas).
Subtileza no fraseado, aliada a um invejável domínio técnico dos seus executantes, imprimem ás execuções dinamismo e temperamento. O trio de Mendelssohn é particularmente interessante no uso e flexibilidade do tempo ao longo dos 4 andamentos.
Constituído por Leonor de Souza Prado (violino), Pedro Corostola (violoncelo) e Nella Maissa (piano), o trio de Lisboa é um excelente exemplo do alto nível musical que Portugal conheceu nesta altura e cuja memória importa perpetuar.

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sexta-feira, agosto 11, 2006

Antonioni - Nicholson

Para aqueles pouco familiarizados com a filmografia de Michelangelo Antonioni, o surgimento de Jack Nicholson num dos seus filmes será no mínimo insólito. A mim pelo menos foi o que aconteceu, conhecedor apenas de algumas das suas mais célebres realizações como " Il Grido" ou "L'avventura".
O filme aqui em causa é o raramente projectado " The Passenger" ( Profissão-Repórter) produzido por Carlo Ponti para a MGM em 1974.
Com a garantia de um elenco de luxo protagonizado pelo já referido Nicholson e pela ainda jovem Maria Schneider, Antonioni parte para o deserto do Sara e depois para a Espanha rural e deserta para rodar este thriller onde o drama existêncial é radicalizado pela fuga através da mudança de identidade com um outro homem.
David Locke (Nicholson), repórter em trabalho no deserto em África (Argélia), regressa exausto ao seu quarto de hotel depois de ter sido abandonado pelo guia e de ver o seu jipe "engolido" pela areia. Aí, depara com Robertson(Chuck Mulvehill), um hóspede vizinho, morto no quarto com um ataque cardíaco e resolve trocar de identidade com ele. A partir daqui, o destino de Locke determinado pela agenda de Robertson irá envolvê-lo numa aventura que lhe custará a própria vida. É num museu em Barcelona da autoria de Gaudí que, fugindo a traficantes de armas africanos conhece uma rapariga, sem nome no filme (Schneider), que o acompanhará até ao final.
O filme é recheado de cenas impressionantes como as primeiras rodagens no Deserto do Sara ou a sequência final de 11 minutos, em Espanha (Andaluzia) que demorou 7 dias a filmar.
A não perder, enquanto ainda passa, no Nimas.


" This is a film, about someone who is following his destiny, a man watching reality as reported, in the same way that I was watching him - in the same way that you are pursuing me. You could go back and find another camera watching me and another one watching the other camera. It's surrealistic, isn't it?"


Antonioni, numa entrevista
Livros: " Antonioni - The poet of images", William Arrowmith (Oxford University Press, 1995).
" Michelangelo Antonioni - filmografia completa (Taschen, 2004).

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domingo, agosto 06, 2006

Antes de Bach



"Alguns dos elaborados esforços dos alemães, especialmente na scordatura, provaram ser um verdadeiro " cul-de-sac", mas seria difícil de imaginar as sonatas e partitas de J.S. Bach para violino solo sem o nível técnico previamente alcançado em termos de cordas dobradas nas obras de Biber e Walther" .

David Boyden, " The history of violin playing from it's origins to 1761"

Até meados do século XVII as cortes alemãs e austríacas foram dominadas por músicos/ violinistas vindos de Itália, altamente habilidosos e que tinham no seu curriculum uma já considerável experiência no que diz respeito a estilos e formas musicais, muito em especial a sonata.

Biagio Marini (c. 1587-1663), músico de Brescia, viu publicado o seu livro op.8 ( dos mais interessantes da sua vasta colecção) enquanto se encontrava ao serviço da corte de Wittelsbachs em Neuberg na Alemanha entre 1623-26). Nesta sua colecção de sonatas para violino, Marini faz uso de alguns recursos técnicos como cordas dobradas, etc. Como ele muitos outros compositores italianos em serviço na Alemanha, deixaram marcas de influência que serviriam de catalizador para o surgimento de um estilo nacional marcado pelo virtuosismo.

Johann Heinrich Schmelzer ( c. 1620-1680), iniciou a sua carreira como violinista na corte imperial Vienense e apesar do seu talento era apenas mais um músico num local onde o cargo de Hofkapellmeister tinha vindo desde há muitas décadas a ser preenchido apenas por italianos. No entanto, e já no final da sua vida, Schmelzer decidiu inverter esta tendência. A sua colecção de sonatas de 1664 intitulada "Sonatae unarum fidium" constituiu a primeira edição de sonatas para violino feita por um músico não italiano. Estas obras apesar de não alcançarem o estilo extrovertido de Biber, são recheadas de toques de génio na forma criativa como exploram as capacidades expressivas do violino e o uso medido do virtuosismo. As primeiras 4 sonatas são construídas sobre um baixo ostinato, forma que dominará grande parte da literatura violinística deste período.

Próximo do final do século, 2 compositores contemporâneos de Corelli surgem como os percursores de uma técnica verdadeiramente complexa e cada vez mais virtuosista, desenvolvendo o estilo descritivo ou programático - Heinrich Biber (1644-1704) e J.J. Walther ( c. 1650-1717) .

Nas suas duas colecções de sonatas para violino e baixo, Biber explora novas sonoridades e inovações técnicas produzindo passagens de grande proeza no que diz respeito a cordas dobradas, arcadas e extensão das notas. Especialmente nas sonatas do rosário, faz uso da scordatura ( técnica quase exclusiva da escola alemã deste período) que consiste numa nova afinação das cordas de acordo com a tonalidade da obra.Esta forma de afinar o violino, produz uma sonoridade muito particular para cada uma das tonalidades em que as sonatas estão escritas.

“ De todos os violinistas do século XVII, Biber parece ser o melhor e os seus solos são dos mais difíceis e belos que eu tenho visto deste período.”

Charles Burney

Igualmente virtuoso e fértil na produção de literatura absolutamente inovadora para violino, surge J.J. Walther . Na sua obra, a abordagem programática é particularmente evidente sobretudo na imitação de instrumentos e animais como é o caso da última peça do seu "Hortulus Chelicus" com o curioso título “ Serenata A un Coro de violini, Organo Tremolante, Chitarrino, Piva, Due Trombe e Timpani, Lira Todesca, et Harpa Smorzata, per un violino Solo”.

A referência a apenas 3 dos principais representantes da escola de violino alemã da segunda metade do século XVII, é o que é possível num texto que se pretende breve e sobretudo convidativo a uma análise mais profunda por parte dos leitores. Outros autores como Johann Paul von Westhoff(1656-1705) ou Georg Muffat(1653-1705) merecem local de destaque em artigos posteriores.
A música referida aqui apesar de raramente representada em concertos actualmente, constitui pela sua importância a nível musical e tendo em conta o contexto histórico em que foram escritas uma inegável contribuição para as obras consideradas emblemáticas do barroco tardio alemão para violino.

Obras:

Johann Heinrich Schmelzer - "Sonatae unarum fidium" (1664)

Heinrich Ignaz Franz Biber - " Sonatas do Rosário" ( 1674)." 8 sonatas para violino e baixo contínuo" ( 1681).

Johann Jakob Walther - " Scherzi da Violino Solo con il Basso Contínuo per l'Organo o Cimbalo, accompagnabile anche con une Viola o Leuto" ( 1676)." Hortulus Chelicus" ( 1688).


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